terça-feira, 24 de novembro de 2009

O que é a Verdade?

Fábio Amorim Oliveira

Pergunta difícil. Contudo, de alguma forma, a questão da verdade é um dos temas que irá caminhar pari passo com a minha monografia, na qual irei trabalhar o conceito de falibilismo do filósofo dos fins do século retrasado, Chales Sanders Peirce, que parte do princípio, segundo Urbano Zilles e que parafraseia em seu livro Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciência o pensamento de Peirce com relação a verdade:


Segundo Peirce, essa fixação não acontece pelo indivíduo, mas pela continuidade dos que têm competência no assunto, referindo-se, sobretudo, aos cientistas. Como no decurso do tempo proposições consideradas verdadeiras estão sujeitas a novas dúvidas, Peirce entende verdade como valor limite (ideal limit) para o qual toda investigação se orienta. Só conseguimos aproximações desse valor limite ideal. Por isso, para Peirce, verdade e consenso não são a mesma coisa. O consenso momentâneo é uma condição para verdade, enquanto possibilita uma aproximação do valor ideal de verdade. Mas o consenso não exclui a falsidade e o erro do conhecimento humano. (ZILLES, 2005 p.137).


Ok! Mas trabalhar e desenvolver aqui toda a teoria de Peirce seria complexo, foi apenas uma forma de tentar iniciar este texto e mostrar que essa pergunta é como um vírus que na verdade persegue desde o seu nascimento, a Filosofia ou os filósofos, e também a mim, acadêmico da área.
Bom, sem delongas, podando as questões históricas, temos dois problemas iniciais: as verdades de razão e as verdades de fato, que Marilena Chauí irá abordar e trabalhar sucintamente em sua obra didática de Filosofia: Convite a Filosofia. As verdades de razão, são as verdades que independem da nossa experiência, como a elaboração da proposição: o triângulo tem três lados. Isto é uma afirmação lógica, pois caí dentro do que denominamos de princípio ontológico de não-contradiçaõ, ou seja: "nada pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto" (FERRACINE, 1999 p.39). Isso é o que denominamos de verdades a priori, porque existentes per si antes da experiência.


Em contrapartida, temos as verdades de fato, são a posteriori, porque dependem da nossa experiência. Por exemplo, um exemplo de tentativa de se elaborar uma verdade de fato foi quando Isaac Newton disse que o tempo era absoluto, e Einstein o refutou posteriormente com a teoria da relatividade. Veja que tocamos num termo chave: teoria. E no que consiste uma teoria? Tentarei conceituar a partir da experiência das múltiplas leituras que tive sobre o assunto, sendo assim: teoria é a tentativa de descrever de forma fiel os mecanismos e processos dos fenômenos de forma o mais racional possível. Sendo assim, aí se inicia toda a magnitude da problemática. Então, existiram ao longo tempo tentativas de resolver essa questão, e surgiram várias epistemologias (episteme - do grego - ciência e logia - do grego - Estudo), ou seja, distintas ciências e suas teorias se pretendendo como solução universal para o problema da verdade, daí contemplamos várias correntes filosóficas ou epistemologias: o racionalismo, o empirismo, o criticismo kantiano, o positivismo e por aí segue-se várias epistemes, porém, todas fracassadas na tentativa de elaborar uma ética, uma estética universal. Tente perceber no meio desses processos, a busca por encontrar um princípio basilar, uma metafísica fundamental da verdade, um princípio primeiro que sirva de pedra angular. Porém, todos fracassaram neste sentido.


Hoje, fala-se numa teoria consensual da verdade, dois filósofos contemporâneos trabalham com essa questão, Karl Otto Apel e Jürgem Harbemas, ou seja, para estes a verdade é a verdade de uma comunidade que joga com a linguagem. Antes, partia-se da confiança pura na razão - o cógito cartesiano imperava (cogito ergo sum - penso, logo existo) - de dizer algo sobre a verdade na relação sujeito e mundo, mas se percebeu que a mente humana é limitada para descrever a totalidade da realidade. Até para fundamentar os princípios lógicos que norteiam nossos pensamentos, mamamos na linguagem e na linguagem - que é jogada na comunidade - é que partimos do ponto inicial para pensar as leis, as regras, ou os métodos, para nortear nossa análise do kósmos (universo). Sendo assim, para um hermenêuta, a verdade é o quanto você é capaz de dizer, argumentar e convencer, porém, de forma lógica - o quanto você é capaz de linguistificar a tua teoria.


Voltando rapidamente a Peirce, ele irá destacar a questão de crenças mais fundamentadas, entretanto, reserva a confiança a uma comunidade científica, porque julga esta ter melhores condição para criar crenças mais próximas da verdade, salvo, porém, que está sujeita ao falibilismo, ou seja, a se equivocar na teoria, por isso: temporária e consensual.

Enfim, tentarei fechar este tema que é gigantesco e complexo e até hoje, inacabado. Mas por ora, partilho do princípio de um consenso com relação a verdade, que de fato precisamos testar, fazer experiências, sem a prepotência de ser em algum momento o portador da verdade única, universal como pretenderam os epistemólogos que nos antecederam, pois somos limitados, já dizia Immanuel Kant, na sua obra A Crítica da Razão Pura, da capacidade de conhecimento a priori da mente com relação a realidade, Kant lança a questão do noúmeno, que em grego quer dizer, aquilo que existe per si, ou seja, aquilo que existe independente da nossa mente, mas que contudo, não se abre totalmente ao nosso conhecimento, ou seja, do qual só apreendemos os fenômenos, mas nunca a coisa em si na sua totalidade. Prova disso é a Física passando pela crise de tentar dizer o que é o maciço? Ou, o que é isso que chamamos de matéria? Na ansia de encontrar uma lei fundamental, de onde possa brotar uma teoria final-universal, capaz de ser fundamento e base de verdade, e permear inclusive na relação sujeito e objeto.


Nesses pontos dilemáticos, é onde encontra-se a experiência da sensação do vazio, do indizível e a partir dos dilemas é que muitos cientístas acabam por entrar em contato com seu lado mísitico, é onde outros encaixam o seus deuses e a fé como forma de suprir esse espaço lacunar, que quem já se deparou com ele e o contemplou, chega a dar calafrios. Agora imagine em que o homem se prende como fundamento de verdade para evitar que matemos uns aos outros ou cometamos diversos outros - o que aprendemos a entender como - crimes? No direito natural a vida, a liberdade de ir e vir, de desenvolver-se plenamente? Mas onde tudo isto se sustenta? Já se perguntaram?? Percebe o tamanho do problema? Entretanto, quando fazemos a pergunta: O QUE É A VERDADE? REPLICO: DE QUE VERDADE ESTAMOS A PERGUNTAR? A QUE TIPO DE VERDADE ESTÁ A SE REFERIR?


SEGUE-SE ABAIXO EXTRAÍDO DO TEXTO ELETRÔNICO "CONVITE À FILOSOFIA" - MARILENA CHAUÍ:


"Grego, latim e hebraico


Nossa idéia da verdade foi construída ao longo dos séculos, a partir de três concepções diferentes, vindas da língua grega, da latina e da hebraica.


Em grego, verdade se diz aletheia, significando: não-oculto, não-escondido, não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão.


Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas e o verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade que está na própria realidade e, portanto, a verdade depende de que a realidade se manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule em aparências.


Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais.


A verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória e da acuidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado corresponda aos fatos acontecidos. A verdade não se refere às próprias coisas e aos próprios fatos (como acontece com a aletheia), mas ao relato e ao enunciado, à linguagem. Seu oposto, portanto, é a mentira ou a falsificação. As coisas e os fatos não são reais ou imaginários; os relatos e enunciados sobre eles é que são verdadeiros ou falsos.


Em hebraico verdade se diz emunah e significa confiança. Agora são as pessoas e é Deus quem são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou um amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a confiança.


A verdade se relaciona com a presença, com a espera de que aquilo que foi prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer. Emunah é uma palavra de mesma origem que amém, que significa: assim seja. A verdade é uma crença fundada na esperança e na confiança, referidas ao futuro, ao que será ou virá. Sua forma mais elevada é a revelação divina e sua expressão mais perfeita é a profecia.


Aletheia se refere ao que as coisas são; veritas se refere aos fatos que foram; emunah se refere às ações e as coisas que serão. A nossa concepção da verdade é uma síntese dessas três fontes e por isso se refere às coisas presentes (como na aletheia), aos fatos passados (como na veritas) e às coisas futuras (como na emunah). Também se refere à própria realidade (como na aletheia), à linguagem (como na veritas) e à confiança-esperança (como na emunah).


Palavras como “averiguar” e “verificar” indicam buscar a verdade; “veredicto” é pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo veraz; “verossímil” e “verossimilhante” significam: ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes aos de algo verdadeiro.



Diferentes teorias sobre a verdade


Existem diferentes concepções filosóficas sobre a natureza do conhecimento verdadeiro, dependendo de qual das três idéias originais da verdade predomine no pensamento de um ou de alguns filósofos.


Assim, quando predomina a aletheia, considera-se que a verdade está nas próprias coisas ou na própria realidade e o conhecimento verdadeiro é a percepção intelectual e racional dessa verdade. A marca do conhecimento verdadeiro é a evidência, isto é, a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma e alcançada pelas operações de nossa razão ou de nosso intelecto. Uma idéia é verdadeira quando corresponde à coisa que é seu conteúdo e que existe fora de nosso espírito ou de nosso pensamento. A teoria da evidência e da correspondência afirma que o critério da verdade é a adequação do nosso intelecto à coisa, ou da coisa ao nosso intelecto.


Quando predomina a veritas, considera-se que a verdade depende do rigor e da precisão na criação e no uso de regras de linguagem, que devem exprimir, ao mesmo tempo, nosso pensamento ou nossas idéias e os acontecimentos ou fatos exteriores a nós e que nossas idéias relatam ou narram em nossa mente.


Agora, não se diz que uma coisa é verdadeira porque corresponde a uma realidade externa, mas se diz que ela corresponde à realidade externa porque é verdadeira. O critério da verdade é dado pela coerência interna ou pela coerência lógica das idéias e das cadeias de idéias que formam um raciocínio, coerência que depende da obediência às regras e leis dos enunciados corretos. A marca do verdadeiro é a validade lógica de seus argumentos.


Finalmente, quando predomina a emunah, considera-se que a verdade depende de um acordo ou de um pacto de confiança entre os pesquisadores, que definem um conjunto de convenções universais sobre o conhecimento verdadeiro e que devem sempre ser respeitadas por todos. A verdade se funda, portanto, no consenso e na confiança recíproca entre os membros de uma comunidade de pesquisadores e estudiosos.


O consenso se estabelece baseado em três princípios que serão respeitados por todos:


1. que somos seres racionais e nosso pensamento obedece aos quatro princípios da razão (identidade, não-contradição, terceiro-excluído e razão suficiente ou causalidade);


2. que somos seres dotados de linguagem e que ela funciona segundo regras lógicas convencionadas e aceitas por uma comunidade;


3. que os resultados de uma investigação devem ser submetidos à discussão e avaliação pelos membros da comunidade de investigadores que lhe atribuirão ou não o valor de verdade.


Existe ainda uma quarta teoria da verdade que se distingue das anteriores porque define o conhecimento verdadeiro por um critério que não é teórico e sim prático. Trata-se da teoria pragmática, para a qual um conhecimento é verdadeiro por seus resultados e suas aplicações práticas, sendo verificado pela experimentação e pela experiência. A marca do verdadeiro é a verificabilidade dos resultados.


Essa concepção da verdade está muito próxima da teoria da correspondência entre coisa e idéia (aletheia), entre realidade e pensamento, que julga que o resultado prático, na maioria das vezes, é conseguido porque o conhecimento alcançou as próprias coisas e pode agir sobre elas.


Em contrapartida, a teoria da convenção ou do consenso (emunah) está mais próxima da teoria da coerência interna (veritas), pois as convenções ou consensos verdadeiros costumam ser baseados em princípios e argumentos lingüísticos e lógicos, princípios e argumentos da linguagem, do discurso e da comunicação.


Na primeira teoria (aletheia/correspondência), as coisas e as idéias são consideradas verdadeiras ou falsas; na segunda (veritas/coerência) e na terceira (emunah/consenso), os enunciados, os argumentos e as idéias é que são julgados verdadeiros ou falsos; na quarta (pragmática), são os resultados que recebem a denominação de verdadeiros ou falsos.


Na primeira e na quarta teoria, a verdade é o acordo entre o pensamento e a realidade. Na segunda e na terceira teoria, a verdade é o acordo do pensamento e da linguagem consigo mesmos, a partir de regras e princípios que o pensamento e a linguagem deram a si mesmos, em conformidade com sua natureza própria, que é a mesma para todos os seres humanos (ou definida como a mesma para todos por um consenso)".